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É sabido que em tempos de aprimoração tecnológica surgem novos serviços e atividades cuja natureza vem migrando do meio físico para o digital. Em razão dessa mudança, surge um conflito de competência decorrente da natureza incorpórea dos bens digitais.

O bem digital é todo e qualquer objeto que utilize o meio digital ou um software, cujo conceito estende-se pelo conjunto de programas ou aplicativos, instruções e regras que permitam o equipamento funcionar.

Esse conflito surge da dificuldade de distinguir se um software é uma mercadoria ou um serviço e se encontra no fato de que os estados possuem competência para cobrarem ICMS pelos serviços de transporte, de comunicação e sobre as operações de circulação de mercadorias. Por outro lado, os municípios possuem competência para instituir ISS sobre serviços de qualquer natureza, quando previstos em lei complementar.

Em face disso, deve-se ter como ponto de partida a análise da competência tributária tal qual os artigos 155, II e 155, III da Constituição Federal, o que nos leva à conclusão de que ambos os tributos poderão incidir sobre os bens digitais. Todavia, é afirmativo que eles não poderão incidir de forma cumulada, portanto nos casos em que existe tributação de ISS não poderá existir tributação de ICMS.

Em 1998, o Supremo Tribunal Federal, através do julgamento do RE 176.626 SP, estabeleceu alguns conceitos, conforme:

“Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de “licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador” “matéria exclusiva da lide”, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como a do chamado “software de prateleira” (off the shelf) – os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio.”(grifos nosso)

A decisão supracitada trouxe o conceito de software de prateleira, ou seja, o vendido fisicamente em lojas, cuja tributação de ICMS é devida e o conceito de licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador, operação não tributada pelo ICMS.

O  que resultou na ampliação de mais um ponto de discussão: pelo fato de se tratarem de um produto incorpóreo, esses produtos podem ser comprados em definitivo e descarregados em computadores, tablets e celular via download – sem qualquer interseção física na circulação do produto – tornando o conceito de software de prateleira desatualizado com as mudanças trazidas pela tecnologia.

Mais adiante, a lei complementar 116/03 (que disciplinou o ISS), trouxe a previsão de tributação por ISS dos serviços presentes em sua lista anexa, bem como, ressalvadas as exceções previstas na lista, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos à tributação do ICMS.

Nesse contexto, os municípios se movimentaram para a aprovação da lei complementar 157/16¹, que prevê em sua lista anexa, no item 1.09, que a “disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdo de áudio, vídeo, imagem e texto por meio de internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos” é considerada serviço incidente de ISS.

Em contrapartida, os estados, por meio do convênio ICMS 106/17², estabeleceram a incidência de ICMS em softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos, entre outros, desde que sejam padronizados ou que possam ser adaptados, comercializados por meio de download.

Os estados, para superar a limitação criada pelo conceito de software de prateleira, passaram a tributar todo e qualquer software cedido, desde que de natureza definitiva, respeitando o previsto na LC 157/16.

Entendemos que a discussão é nova e somente o tempo, por meio de manifestações do Judiciário sobre o assunto poderá solucionar qualquer conflito. No entanto, à luz da defesa do contribuinte – visto que este não poderá receber dupla tributação – utilizaremos os pontos acima, bem como a previsão legislativa para realização da tributação conforme cada caso, assim: a) a incidência de ISS para os bens digitais que forem cedido de forma não definitiva, e; b) a incidência de ICMS para os bens cedidos em definitivo.

Carlos Pinto Advocacia Estratégica
Por Caio Augusto Mendonça, Head de Tax

 

¹ incluiu à lista anexa à LC 116/03.
² Cláusula Primeira do Convênio ICMS 106, de 29 de setembro de 2017.

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